Saiba como o vírus Epstein-Barr funciona para iniciar a doença autoimune anos antes de se manifestar.
Quando, em 1964, Anthony Epstein encontrou partículas virais em um tumor que estudava em seu laboratório inglês, poucos acreditavam que o câncer pudesse ter origem viral, nem ao menos imaginou que esse parente do vírus do herpes – que se tornaria famoso sob o nome de seus descobridores Epstein e Barr – estaria nos anos seguintes associado a doenças tão díspares como mononucleose, artrite reumatóide, esclerose múltipla e certos linfomas. . .
Mas o ano de 2022 começou com uma tremenda notícia: o vírus Epstein-Barr não é mais apenas suspeito de estar envolvido na esclerose múltipla, mas também é seu principal gatilho. Embora a forma que o vírus danifica a cobertura protetora do sistema nervoso ainda não foi confirmada, novas evidências apontam para Epstein-Barr como o principal culpado da doença que afeta mais de 2,8 milhões de pessoas no mundo.
Origem viral da esclerose múltipla
Cientistas da Universidade de Harvard acompanharam a saúde de dez milhões de soldados americanos durante anos e coletaram periodicamente amostras de sangue para testar a presença do vírus da AIDS/HIV. Em mais de 62 milhões de amostras salvas entre 1995 e 2013, os pesquisadores identificaram aquelas de 801 soldados que desenvolveram esclerose múltipla após entrar no serviço militar.
Analisando suas amostras de sangue, eles descobriram que todos (exceto um) dos soldados já estavam infectados com o vírus Epstein-Barr (EBV) antes que seus sintomas de esclerose múltipla começassem. Em média, o vírus estava presente nas forças armadas cinco anos antes do diagnóstico da doença, de acordo com o novo estudo científico publicado na revista Science.
Em contrapartida, os pesquisadores não encontraram maior incidência de outro vírus considerado candidato a causar esclerose múltipla e que também é transmitido pela saliva, denominado “citomegalovírus”. Tampouco foram encontrados outros 200 vírus associados a doenças em amostras de militares com esclerose múltipla. O EBV foi o único vírus presente em quase todos os soldados com a doença autoimune.
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Segundo estimativas de especialistas liderados por Alberto Ascherio, professor da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, se uma pessoa está infectada com o vírus Epstein-Barr, seu risco de desenvolver esclerose múltipla aumenta 32 vezes em comparação com quem nunca teve um contato com este vírus.
Isso significa que o EBV é a causa da esclerose múltipla?
Provavelmente sim, mas deve-se esclarecer que este vírus não é a única causa. De fato, 95% da humanidade foi infectada com EBV em algum momento de sua vida, mas não sofreu de mononucleose ou desenvolveu esclerose múltipla.
O que a pesquisa médica americana mostra, é que ter o vírus Epstein-Barr é um dos fatores que levam à doença que ataca o revestimento protetor (mielina) dos nervos centrais do corpo. Os outros fatores podem ser genéticos ou ambientais.
O poder secreto do vírus Epstein-Barr
Como é possível que um vírus que é inofensivo e permanece inativo na maioria das pessoas seja capaz de desencadear uma doença progressiva do sistema nervoso em 1 a cada 3.000 pessoas? Os cientistas ainda não sabem ao certo, mas muitos apostam que o vírus desencadeia um ataque das próprias células defensivas do corpo contra os neurônios que formam a bainha de mielina, causando inflamação e danos às vias de transmissão nervosa.
Esta hipótese acaba de ser confirmada em princípio. De acordo com um pequeno estudo científico, publicado na revista Nature, o vírus Epstein-Barr imita uma proteína que é produzida no cérebro e na medula espinhal. Então, as células do sistema imunológico que têm a “memória” de ter reagido uma vez contra o vírus – chamadas células B – acabam produzindo anticorpos contra as próprias células que revestem o sistema nervoso central (mielina).
“Uma parte de uma proteína do vírus (EBNA1) imita uma proteína encontrada na camada protetora dos nervos, chamada GlialCAM”, explica William Robinson, professor de Imunologia e Reumatologia da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. “Isso significa que quando o sistema imunológico ataca o vírus EBV para eliminá-lo, ele acaba atacando a proteína GlialCAM na mielina.”
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“Esta é a primeira vez que um vírus demonstrou de forma conclusiva ser o gatilho para a esclerose múltipla”, entusiasma-se o neurologista Lawrence Steinman, que também participou do estudo de Stanford. “Esta descoberta abre novos caminhos para estudos clínicos de tratamentos na esclerose múltipla”.
A descoberta do mecanismo de imitação molecular do vírus Epstein-Barr não só confirma a íntima relação entre o vírus e a esclerose múltipla, mas também abre as portas para novos tratamentos farmacológicos e uma potencial vacina. “Atualmente, não há uma maneira eficaz de prevenir ou tratar a infecção pelo vírus Epstein-Barr, mas uma vacina anti-EBV ou um tratamento antiviral específico pode eventualmente prevenir ou curar a esclerose múltipla”, antecipa Ascherio.